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O
Caráter Conta! no Brasil
é
um projeto dos
Companheiros
das Américas |
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Um
grupo de vinte pessoas, dividido em núcleos de quatro, recebe uma
tarefa simples: construir uma torre com folhas de papel branco. Quem erguer
o prédio mais alto e bonito ganha o jogo. Cada time de quatro recebe
um envelope com o material e o tempo disponível para a atividade.
E logo começa a reclamação.
‘‘Nós recebemos menos papel do que eles’’, acusa um grupo. Outro
rebate: ‘‘Mas nós ganhamos a metade do tempo de vocês para
terminar’’. O instrutor, com um meio sorriso nos lábios, pergunta:
‘‘Qual o problema?’’. A turma responde quase em coro: ‘‘As regras desse
jogo não são justas’’.
Nesse ponto, termina a brincadeira e começa a parte séria:
a discussão sobre ética. O método O Caráter
Conta! (Character Counts!) foi desenvolvido nos Estados Unidos em 1992
para ensinar princípios como justiça, confiança, honestidade
e integridade para crianças e adolescentes. Hoje, 5,5 milhões
de pupilos norte-americanos de escolas públicas e privadas de todo
o país aprendem ética pelo método.
Para chegar à definição dos chamados conceitos universais
— ensinados sem enfoque religioso, cultural ou político — um grupo
composto por muçulmanos, judeus, católicos, protestantes,
representantes das comunidades negra, hispânica e asiática,
além de grupos gays e feministas reuniu-se e discutiu durante meses.
Daí surgiu o currículo do curso.
‘‘Era difícil imaginar que um grupo com visões de mundo tão
diferentes pudesse chegar a qualquer espécie de consenso’’, recorda
Gary Heusel, da Universidade de Nebraska, que trabalha com o método
desde sua criação. A educadora e também participante
do programa Truda Roper emenda, em seguida: ‘‘Isso só foi possível
porque famílias de todas as crenças sentiram a necessidade
da escola ajudar na formação ética de seus filhos’’.
Valores
Uma
pesquisa realizada em 1996 nos EUA revelou que, independente do grupo étnico
ao qual pertenciam, 95% dos entrevistados gostariam que a escola pública
ensinasse valores como a honestidade e a importância de dizer sempre
a verdade. Segundo Truda Roper, o grande segredo do método que lida
com um tema extremamente ‘‘sensível’’ em qualquer sociedade é
provocar o debate entre os alunos, sem doutrinar, por meio de atividades
concretas — jogos, dinâmicas, brincadeiras.
‘‘Os
adolescentes, principalmente, não gostam de sermões e o resultado
de uma aula de ética poderia ser negativo’’, afirma Truda. Gary
Heusel complementa: ‘‘Não basta repetir palavras vazias, a pessoa
não sente como esses conceitos são importantes e fazem a
diferença em seu próprio cotidiano’’.
Por
isso, ao invés de falar sobre justiça, por exemplo, o currículo
propõe colocar os alunos em uma situação onde eles
se sintam injustiçados. Depois que os pupilos são desarmados
pelo jogo, começam a levantar perguntas e argumentos que levam a
um debate sobre o princípio da justiça.
Os
educadores defendem que a educação ética não
substitui ou atropela o papel da família na formação
dos jovens. Segundo eles, os pais são os primeiros a levantar as
mãos para o céu com a introdução desse tipo
de matéria. ‘‘A maior parte dos pais hoje em dia não tem
tempo para conversar com as crianças sobre princípios’’,
explica Gary.
Com
o crescimento do número de lares onde pai e mão trabalham
fora, os filhos ficam cada vez mais tempo sozinhos, diante da televisão
— que repassa um conjunto de valores próprios. O perigo, os
norte-americanos, está em delegar completamente ao colégio
a tarefa de formar o caráter das crianças.
Truda
Roper frisa, enfaticamente, que o objetivo maior da educação
ética é iniciar um debate dentro das famílias. Ela
cita o próprio exemplo. Seu filho de 10 anos começou a aprender
pelo método O Caráter Conta há seis meses. Um dia
ele atendeu um telefonema de sua avó para Truda. Ela estava ocupada
e não queria atender. Pediu, então, que ele dissesse que
ela não estava. ‘‘Isso não é correto’’, observou o
menino. ‘‘Fiquei tão chocada que atendi o telefone e mais tarde
contei ao meu marido. Isso foi o início de um diálogo com
as crianças sobre nossas atitudes e o que é certo ou errado’’,
lembra Truda.
Semelhança
Timidamente,
o método chega ao Brasil. Truda e Gary já estiveram três
vezes no país para capacitar professores, pais e líderes
comunitários interessados em ensinar ética. Os dois ficaram
impressionados com a semelhança entre a sociedade brasileira e a
norte-americana. ‘‘A estrutura familiar, os problemas nas escolas, tudo
é muito parecido’’, observa Gary Heusel.
Esta
semana treinaram dois grupos de vinte pessoas em Brasília. O mais
interessante é que os futuros professores aprendem fazendo, como
os alunos. As apostilas que recebem e os jogos desenvolvidos são
os mesmos utilizados com as crianças e os adolescentes. ‘‘Eles só
perceberão a idéia por trás do método experimentando
as mesmas sensações que os futuros pupilos terão’’,
explica Truda Roper.
Jennifer
Zupnek, professora de 7ª e 8ª série no Centro de Ensino
Granja das Oliveiras — próximo ao Recanto das Emas — diz que o curso
terá grande utilidade em sua escola. ‘‘O convívio no ambiente
escolar é muito áspero’’, acredita ela. ‘‘Até entre
os professores falta diálogo e princípios comuns para trabalhar
melhor em equipe’’, conta Jennifer.
Com
o projeto da Escola Candanga do governo do Distrito Federal — que exige
que os professores passem cada vez mais tempo juntos planejando as aulas
— um bom ambiente entre a equipe de mestres torna-se essencial. |