.
Como e quando a sociedade se perdeu
e o papel da mídia nesse processo


    Este texto foi motivado pelo artigo de Ruy Castro publicado na página 2 da Folha de São Paulo de 18 de junho de 2012, durante a conferência internacional RIO+20, e nele o autor nos lembra que Tom Jobim foi um precursor importantíssimo da consciência ambiental, mas que, por isso mesmo - pasmem, começou a ser hostilizado nas redações de jornais e revistas na virada dos anos 1970s para os 80s.
    Essa informação comprova minha impressão de que foi exatamente naquela época, quando a sociedade mergulhava no consumismo estimulado pela propaganda potencializada pele televisão e depois pelo computador, que a mídia foi incumbida de desviar a atenção da população - principalmente da juventude, dos artistas e dos intelectuais -, dos aspectos insustentáveis do modelo econômico que então começava a se exacerbar, com a expansão do neoliberalismo.
    Vou, portanto, mais abaixo, me deter nos dois últimos parágrafos do texto do Ruy, copiado a seguir.

De fato, a partir do final da década de 1970 começou a ofensiva dos meios de comunicação para evitar que a população percebesse que a sociedade estava estava em um caminho insustentável, rumo ao desastre socioambiental denunciado crescentemente por livros seminais e definitivos, como os seis exemplos abaixo:

  • "Primavera Silenciosa" (Rachel Carson, 1962), sobre o envenenamento dos alimentos e da natureza pela agricultura industrial;
  • "O Homem Unidimensional" (Herbert Marcuse, 1964), como a sociedade CIU (capitalista-industrialista-urbanicista) nos condenava à frustração, à violência e à destrução da natureza.
  • "Sois todos Sanpaku" (George. Oshawa, 1968), denunciando a alimentação industrializada como fator de decadência física, mental e cultural;
  • "Limites do Crescimento" (Clube de Roma, 1972) - o título já dizia tudo;
  • "Small is beautiful" (E.F. Schumacher, 1973), um estudo da economia como se as pessoas tivessem importância; e
  • "A Expropriação da Saúde" (Ivan Illich, 1976), como a "indústria da saúde" precisa e prefere nos manter doentes.

Assim, no final dos 1970s, ficou claro para os grandes grupos econômicos, então organizados na Trilateral, que era preciso acabar com a contestação que inspirava a juventude desde o fim dos anos 1950s, e incluíam fenômenos tão díspares quanto os "existencialistas" europeus, a "juventude transviada" americana, os beatniks franceses, as grandes manifestações em Paris, San Francisco, Rio etc. O arco do inconformismo dos jovens com o sistema dominante ia desde o radicalismo dos grupos guerrilheiros formados por jovens das classes mais favorecidas, como o Baader-Meinhof, os Tupamaros, o MIR e o MR-8, passava pela oposição à guerra do Vietnã até chegar à outra ponta, onde se misturavam psicodelia, meditação e expansão da consciência, filosofias orientais e macrobiótica, agricultura natural, Reich e Rajneesh. Era preciso dar um fim a tudo isso, e logo!

Missão possível: frustrar a previsão de Bob Dylan de que os tempos estavam grávidos de mudança.

Primeiro era preciso cortar a ligação com o passado cultural, intelectual e artístico da humanidade, e desprezar a História e ridicularizar quem estudava. Era urgente idiotizar as novas gerações com desenhos animados cada vez mais simplórios e grotescos, com erotização precoce e cada vez mais generalizada, com imagens e música estressantes, visuais e sons desorganizados à guisa de modernidade e alegria, e um falso sentimento de liberdade pautado pelas agências de publicidade.

Era preciso valorizar o inútil, o deletério, o alienado, o vulgar. Celebrar a Luiza Brunet, o Humberto Saade e a Monique Evans, o Chacrinha, o Washington Olivetto, o Ricardo Amaral. Era preciso estimular o sensacionalismo para soterrar a reflexão; promover a transgressão inócua, gaiata e comercial dos Dzi Croquetes, Frenéticas e Leopardos, a diversão paga em danceterias e festas rave; quanto mais purpurina melhor...

Nessa virada de década - 1970 / 80 - os segundos cadernos dos grandes jornais passaram por uma mudança fatal, e baniram os artigos críticos, a crítica literária e cultural, a poesia, as crônicas sensíveis, e substituíram pela cobertura acrítica de megaeventos de música brega, como o Rock in Rio, ou de moda idem, cono o Rio Fashion Week. E por matérias sobre "comportamento" que banalizavam extravagâncias, consagravam idiotices e depreciavam, ironizando, o que chamavam de papos-cabeça.

A ordem era relativizar tudo - é tudo igual - tudo tribos - e se havia os alternativos, os naturalistas, os ambientalistas, os voluntários conscientes, preocupados e envolvidos, eles valiam tanto - ou até menos - para a mídia, quanto as tribos dos punks, dos gays, dos drag-queens, do mundinho fashion; dos clubbers, dos góticos, das vadias. Era indispensável lembrar aos novos jovens que o bom era ser yuppie metrosexual, jamais um hippie desejando viver uma vida mais frugal junto à natureza - antecipando, aprendendo e ensinando o que nossos descendentes terão que viver.

Interessante notar que é dessa época o ingresso nos meios de comunicação de jovens formados, ou conformados, ou deformados nas escolas de comunicação obrigatórias, onde eram sistematicamente doutrinados a achar tudo normal , tudo relativo. Tudo é legal, e não cabe aos jornalistas chamar a atenção para a loucura que está acontecendo. Por exemplo: para a adulteração genética dos alimentos. Há décadas isso provocaria uma reação formidável; hoje a população está anestesiada pela cultura de massa e perdeu a capacidade de reagir e de se organizar para exigir respeito.

Como isso acontecei? Bastou orientar a mídia a apenas noticiar, mas jamais se indignar, ou criticar, nem achar nada de nada, sem relacionar um fenômeno novo com uma rede de fatos que o precederam e com os prováveis fatos que o sucederão - se não fizermos algo para melhorar essa cadeia de derivação dependente.

Como um jovem jornalista diplomado em comunicação pode perceber todo o mal - toda a deformação - que a publicidade provoca na sociedade, ao estimular o consumismo e a leviandade, quando ele mesmo passou 4 anos em uma faculdade onde há colegas seus estudando justamente para serem publicitários - muitas vezes em universidades mantidas com verbas públicas - é o público pagando para ser enganado.

Outra "norma de redação" que a mídia adotou nessa época, para adiar ao máximo a expansão da consciência ecológica e a busca da sustentabilidade - além de proscrever o Tom Jobim de suas páginas e transmissões - foi passar a chamar os ambientalistas e pioneiros alternativos de "ecochatos", "naturebas" e "bichos-grilos", num raro exercício de indução ao preconceito, de "ecofobia" ou "bullying" midiático, que não vemos os jornalistas adotarem com nenhuma outra "tribo", por mais bizarra, inútil ou idiota que seja.

Só não concordei com o Ruy no último parágrafo, quando ele diz que "não percebíamos"... Percebíamos sim, você inclusive, Ruy, mas não tinhamos força para levar a mídia a criticar o modelo econômico que enriquecia os seus anunciantes.

Agora, passada a RIO+20, vamos ver se a mídia trata melhor os ambientalistas e nos ajuda a despertar a sociedade da ilusão nefasta em que se perdeu, há 30 e poucos anos atrás.

jmoura@hotmail.com