Sementes da violência
Joaquim Moura
Texto originalmente publicado no
jornal Correio Braziliense (DF), de 26 de fevereiro de 1998 (Governo Cristovam Buarque).
A incidência crescente de crimes
cometidos por jovens menores de idade exige da sociedade uma análise mais
aprofundada da violência juvenil contemporânea e uma atitude mais objetiva e
responsável - se queremos reduzi-la a níveis ínfimos.
Apesar das bissextas campanhas
contra a violência, a discussão do assunto mantém-se insuficiente. Por
exemplo, as respostas que os populares eventualmente entrevistados pelos
jornais sempre dão para o problema resume-se a pedir "mais polícia". Mas de
quanta polícia precisaremos para conter uma onda crescente de violência cuja
origem permanece intocada? De quantos presídios e recursos? A solução não está
aí, apesar da unanimidade. É até patético assistir aquelas senhoras e senhores
pedindo mais polícia para proteger suas famílias desses jovens criminosos,
como se eles não proviessem dessas mesmas famílias. Ou virão eles de outro
país ou planeta?
Uma discussão capaz de indicar
novos caminhos para a formação de nossa juventude deveria incluir todas as
questões socioculturais e biopsíquicas envolvidas, mas o que se vê na mídia é
um esforço permanente para desclassificar esses temas como retrógrados ou
acadêmicos. Assim, a discussão da violência na televisão é desclassificada
como "saudosismo da censura", e a análise dos efeitos dos videogames e
desenhos animados - capazes de alterar as ondas cerebrais das crianças – é
tachada de mero reacionarismo.
Para colaborar com o aprofundamento
da discussão, listarei a seguir algumas questões fundamentais:
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A maior agressividade juvenil estará relacionada com
a incapacidade crescente de os jovens se concentrarem, engajarem-se
em conversas mais abstratas e complexas, lerem livros "grossos" e
sem figuras, e ouvirem música mais elaborada?
E será essa incapacidade de se concentrar um resultado da excessiva exposição a
estímulos estressantes e desconexos - via televisão, "música"
bate-estaca e poluição visual - desde quando esses jovens eram ainda
bebês?
Já li que a alimentação desequilibrada das
lanchonetes fast-food e cantinas escolares gera ansiedade e
agressividade; e também que a poluição da placenta por metais pesados e
alumínio (cada vez mais presentes em nosso ambiente) pode afetar a
formação do cérebro do feto e seu equilíbrio hormonal.
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Qual
é, afinal, a contribuição da cultura comercial contemporânea nesse
processo de explosão da criminalidade juvenil? Os defensores da estética
da violência na televisão no cinema e até na música, afirmam que sua
"arte" apenas retrata a violência da vida real. Mas bastar assistir a um
"Tela Quente" seguido por um "Inter-Cine" para perceber que nunca se
ouviu falar, na realidade, dessas guerras televisivas onde morrem
dezenas - às vezes centenas- de membros de "poderosas organizações
criminosas em luta contra os agentes do FBI".
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Será
mesmo possível reduzir a criminalidade enquanto milhares de jovens se
tornam “criminosos” diariamente, apenas por gostarem de usar alguma
droga considerada ilegal? A questão do uso e abuso de substâncias
tóxicas deve ser tratado como um problema médico e cultural, e não
policial. A política atual deforma a polícia, desfigura a justiça e
condena ao submundo do crime e da violência multidões de jovens que
apenas buscam saídas "fáceis" para o tédio e frustração que a nossa
sociedade lhes impõe.
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Finalmente, qual a responsabilidade do governo - no
caso, do GDF - ao resumir a "mais polícia" o trato da questão da
violência urbana? Como reagiram nossos governantes ao saberem que, em
São Paulo, a idade média com que se comete o primeiro crime caiu de 27
para 17 anos, em apenas duas décadas? O que se oferece aos jovens -
principalmente das camadas mais populares - para mostrar-lhes que a vida
é mais que pichar muros, engravidar meninas, fumar, beber, admirar
nulidades e falar "aí galera" e "valeu véio".
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No GDF, as Secretarias da
Infância, da Cultura, da Educação, do Trabalho e do Meio Ambiente, convidadas
a colaborar com um programa integrado de desenvolvimento juvenil e educação
ética, preferiram continuar com seus programas isolados e insuficientes.
Também o Conselho Comunidade Solidária, federal, reluta em implementar um
projeto cultural integral para a juventude brasileira, que chegará ao 3o.
milênio despreparada para compreender e lidar com os imensos problemas sociais
e ambientais que logo deverá enfrentar.
Aprofundar a discussão e pôr em
prática as recomendações que resultem de tal análise é por onde se começa a
combater a violência. Brasília, capital dos debates, poderia dar o tom para o
Brasil iniciar a recuperação de imensas parcelas da juventude para a
cidadania. A juventude não pode prosseguir sendo um problema para a sociedade,
quando deveria ser fonte e motor das transformações positivas.
Joaquim Moura , designer e ecologista cultural, é
vice-presidente do Comitê Brasília-Washington DC dos Companheiros das Américas
(1998)
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