Breve relato para o Reitor da UERJ compreender o que vimos enfrentando


O asfaltamento da estrada de acesso à região de Visconde de Mauá é uma demanda antiga de parte da população local (cerca de 6 mil pessoas), embora sempre tenha encontrado resistência de moradores que temiam os impactos que a facilitação do acesso acarretaria, a exemplo de outros destinos turísticos fluminenses, à beira-mar ou em áreas montanhosas, como é o nosso caso.

Os riscos de descontrole socioambiental ainda são mais graves em nossa região por causa da sua fragmentação político-administrativa, pois o vale do Rio Preto é por ele dividido em dois estados (Rio de Janeiro e Minas Gerais), sendo que o lado fluminense é dividido em dois municípios (Resende e Itatiaia). Toda a área à esquerda do Rio Preto integra o município mineiro de Bocaina de Minas, um dos mais pobres daquele estado, e sem condições de controlar a pressão antrópica prevista com a facilitação do acesso.

Há cerca de quatro anos, o governador Sérgio Cabral e principalmente seu vice, Luiz Fernando Pezão (ligado à área sul-fluminense), decidiram por asfaltar os últimos 15 km da RJ-163 (estrada que dá acesso à região do vale do Rio Preto), bem como cerca de 10 km da RJ-151 (situada ao longo daquele rio, desde a Maromba, no limite com o Parque Nacional de Itatiaia, até a “Ponte dos Cachorros”).

Diante do apoio de grande parte da comunidade, mesmo os moradores mais recalcitrantes aceitaram a iniciativa, desde que fosse zelosamente acompanhada pelas salvaguardas que a legislação ambiental brasileira garante às Unidades de Conservação – já que toda a região integra a APA Federal da Serra da Mantiqueira.

Infelizmente, não foi o que se viu. Desde a elaboração do EIA-RIMA, em 2008, até o momento atual, têm ocorrido inúmeros “descuidos” que vêm ensejando autuação do ICMBio e Ação Civil Pública dos Ministérios Públicos Federal e Estadual (RJ). E há cerca de um ano, para nossa surpresa, a UERJ vem participando desse quadro lamentável de destruição (exemplos 1, 2, 3 e 4) de uma região antes conhecida nacionalmente como paraíso ecológico.

O envolvimento da UERJ teve início ao ser contratada pela Seobras-RJ com o objetivo de implementar o Plano Básico Ambiental – PBA, elaborado por aquela Secretaria estadual para atender às diversas condicionantes impostas pelo ICMBio para conceder a sua anuência à obra, situada 100% dentro de uma área federal de proteção ambiental.

Essas condicionantes - e portanto também o PBA - decorreram das insuficiências e inconsistências do EIA-RIMA encomendado e aprovado pelo governo fluminense a uma empresa paranaense.

O PBA inclui 22 (!) “programas” relacionados aos diversos impactos a serem evitados, e deveria ter sido iniciado paralelamente ao começo das obras. Porém essas foram iniciadas em março de 2010 e só em junho daquele ano o INEA-RJ percebeu que o governo ainda nem havia realizado as licitações para contratar empresas para desenvolver os seus vários programas, que exigiam diversas especialidades e campos de conhecimento.

Diante do atraso do PBA, e portanto do descumprimento das condicionantes do ICMBio – que poderia resultar até na cassação da anuência do ICMBio e na paralisação das obras – o governo optou por contratar a UERJ, habilitada a tratar de todos os aspectos do PBA.

Uma vez contratada a UERJ, o governo fluminense alugou um imóvel na vila de Visconde de Mauá que vem servindo, desde então, de sede da equipe encarregada de implantar os 22 programas do PBA.

O que primeiro chamou a atenção das pessoas mais ligadas às atividades socioambientais locais foi o desinteresse da equipe organizada pela UERJ em contatar as ONGs que atuam há anos ou décadas na região, nem o próprio Conselho Gestor da Microbacia do Alto Rio Preto (incumbido pela Licença Ambiental – condição no. 17 - de acompanhar a implementação do PBA), cuja Câmara Técnica de Acompanhamento do PBA havia já realizado anteriormente um primeiro estudo que concluiu que nenhum dos 22 programas havia sido iniciado.

Pelo contrário: ironicamente, quem mais frequentava a sede da UERJ eram pessoas notoriamente hostis ou indiferentes às preocupações socioambientais.

Passado mais de um ano, com a obra na RJ-163 praticamente concluída e eivada de crimes ambientais (conforme laudo do ICMBio citado acima, que deu origem a multa milionária), o Conselho Gestor, as ONGs e a comunidade continuam sem ter acesso a nenhum relatório sobre a implementação dos 22 programas do PBA. Em lugar disso, realizam-se eventos que mais parecem destinados a esconder essa carência operacional e comunicativa, como ocorreu no dia 20 do mês corrente, quando fomos convidados, pelo “coordenador de projetos da UERJ” Georges Bonnet, para comparecer a um “workshop” de apresentação do “Programa de Educação Ambiental” elaborado pela equipe da UERJ ou por ela contratada.

O simples fato desse Programa nos ter sido “apresentado”, depois de elaborado sem a nossa participação em seu planejamento, já mostra o nível insuficiente e inaceitável, muito abaixo de nossas expectativas e experiência, e provocou a criação de uma “carta aberta” enviada ao Reitor da UERJ e aos secretários de Obras e de Ambiente, em 19 do corrente, assinada por diversas lideranças, educadores e gestores ambientais e cidadãos locais.

Para dar uma ideia de como o comportamento da UERJ vem sendo errático, nesse “workshop” o Sr. Ronaldo Gueraldi, coordenador dos relatórios de implementação do PBA, nos informou que eles já estavam prontos (afinal) e disponíveis na sede da equipe; porém, ao irmos até lá conhecê-los, fomos informados pelo Sr. Paulo Roberto Castelões que eles lá não estavam, tendo então o Sr. Vladir Fernandes (contratado como assessor ambiental da equipe da UERJ) nos dito que só o INEA poderia disponibilizá-los...

Note-se que o antigo coordenador, Constantino Martins Jr., foi substituído de sua função em agosto p.passado após constrangedora apresentação sobre a “implementação do PBA” em seminário realizado em julho pelo INEA na vila de Visconde de Mauá, desvalorizando a imagem da equipe da UERJ na comunidade.

A maneira autoritária e pouco participativa como o governo estadual e suas secretarias de Obras e de Ambiente – e agora também a UERJ – vêm conduzindo uma intervenção viária com enormes e profundas consequências para a nossa comunidade e seu meio ambiente já provocou a reação de órgãos como a APA da Mantiqueira e o ICMBio, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro . Mais recentemente (9 de setembro), também o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro mandou suspender sine die a licitação da pavimentação da RJ-151.

Em vista do exposto acima, que acreditamos não ser do seu conhecimento, solicitamos sua orientação no sentido de que a equipe que representa essa prestigiosa Universidade seja orientada a procurar o Conselho Gestor da Microbacia do Alto Rio Preto para definir uma maneira de se comunicar melhor com a comunidade, e para redesenhar seu Programa de Educação Ambiental (um dos 22 programas do PBA) de modo muito mais efetivo e útil.

Atenciosamente, moradores amigos da Região