Afinal, o que é 'estrada-parque'?
No
artigo abaixo, o biólogo e doutor em ecologia João Madeira, do ICMBio,
esclarece o conceito de estrada-parque
e nos alerta contra
o abuso da expressão, muitas vezes utilizada para enganar os incautos e
"dourar a pílula" de intervenções viárias degradantes em áreas
de especial interesse cênico e ambiental.
Ao
fim da leitura, nos perguntamos se a estrada RJ-163 - a "nossa
estrada-parque" - tem mesmo gabarito para merecer esta denominação.
Estrada do Colono não se
habilita a estrada-parque
João Madeira* 11 de
Maio de 2013 Fonte: ((O))
ECO
Blue
Ridge Parkway: ao contrário da Estrada do Colono, ela foi feita para
proteger. Foto: NC History |
Mais uma vez a nossa Mata Atlântica se vê
ameaçada pelo oportunismo das “excelências” que usam e abusam do poder e
da nossa paciência, dando nó em pingo d’água para dar ares de coisa séria
a mais uma tentativa de dividir ao meio o Parque Nacional do Iguaçu,
Patrimônio Natural da Humanidade e último remanescente significativo de
vegetação nativa no oeste do Paraná. Agora querem que o antigo Caminho do
Colono se torne uma “estrada-parque”. A categoria não existe no Brasil, é
apenas um nome, já usado aqui e ali para designar coisas bastante
variadas. Mas eles não se abalam: é só mudar a lei... Mas o que é, afinal,
uma Estrada-Parque?
O tema foi objeto da
tese de doutorado de Afran io Soriano, no
Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual
Paulista, Rio Claro, SP (Soriano, 2006),
que discutiu com profundidade e propriedade o problema de o termo
“estrada-parque” ser usado com variados significados no Brasil, conforme
os interesses de quem o usa. Assim, este pesquisador propõe uma definição
unívoca para o termo “estrada-parque” e algumas denominações para as
outras situações nas quais o mesmo termo vem sendo usado até o momento,
gerando confusão. Por esta proposta, uma
estrada-parque:
“Se constitui numa unidade de conservação de
grande beleza cênica, cujo formato e dimensões são definidos pela
percepção das paisagens naturais e culturais a serem protegidas, a partir
de uma rota principal, a estrada, e que se destina à recreação e ao lazer
ao longo desta, e também como forma de promover a integração
homem-natureza e o desenvolvimento sustentável da região de sua
influência.”
Origem
O termo
“Estrada-Parque” deriva da categoria existente nos Estados Unidos, as
“Parkways”, portanto, uma categoria de área protegida sob a gestão do
Serviço Nacional de Parques deles, o “National Park Service” (NPS). Mesmo nos EUA, a categoria engloba algumas situações
bastante distintas, havendo duas Parkways que podem ser consideradas os
“exemplos clássicos” da categoria: a Blue Ridge Parkway e a Natchez Trace
Parkway. Portanto, longe de ser uma categoria que se consagrou pelo
sucesso de várias iniciativas, como os Parques
Nacionais.
O melhor exemplo da ideia original de
“Parkway” encontra-se na primeira que foi concebida e criada nos EUA, a
Blue Ridge Parkway (BRP). Sua área é de cerca de 38 hectares, o que,
consideran do que sua extensão é de cerca de 750 km, significa que ela
protege uma faixa de aproximadamente 250m para cada lado da pista. A
extensão é grande, visível mesmo em um mapa de todo o país, mas a área
protegida é pequena. Apesar da longa tradição norte-americana na gestão de
áreas protegidas, um dos problemas das Parkways é que seu grande atrativo
são as paisagens que estão, em sua maior parte, fora desta faixa
protegida, embora visíveis dela. Assim, as fazendas da região podem criar
um problema para o National Park Service se decidirem, por exemplo,
modernizar suas práticas, o que pode ter impactos sobre a bucólica
paisagem tradicional que motivou, juntamente com a beleza da natureza
local, a criação da Parkway
Sem improvisação
A característica
mais importante que deve ser ressaltada no histórico da Blue Ridge Parkway
é que ela já foi concebida – na década de 1930, como parte de políticas
para elevar a autoestima do povo, abalada pela crise econômica da época –
e construída já com os propósitos que tem até hoje (a obra foi finalizada
quase 50 anos depois). Não se trata de uma adaptação de uma rodovia
construída para ligar duas cidades, ou para escoar a produção de uma
região. Ela foi concebida para proporcionar o desfrute de belas paisagens
pelos viajantes; seu traçado visou maximizar as possibilidades de visadas
panorâmicas, percorrendo cristas dos Apalaches. Não é permitido o trânsito
de veículos comerciais, a velocidade máxima é reduzida, a pista é
estreita, sem acostamento e o acabamento da obra foi claramente executado
com preocupa ções estéticas.
No Brasil, a maioria das
iniciativas de criação de estradas-parque pouco tiveram a ver com este
conceito. Existem algumas tentativas de se investir na ideia de
Estrada-Parque, mas elas não são calcadas em um conceito bem estabelecido
e acabam sendo apenas estradas comuns, que ligam duas ou mais cidades,
passando por locais bonitos, eventualmente protegidos por algum outro
instrumento legal, como uma APA. Há alguns exemplos no Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e São Paulo. Podem ser iniciativas nobres, na tentativa de
proteção de remanescentes de vegetação nativa e de belas paisagens, mas o
título tem pouco efeito prático para a proteção ambiental da região e não
há restrições ao trânsito de qualquer tipo de
veículo.
Em 2008 foi publicada a
Portaria Interministerial No 282, de
16/09/2008, através da qual os
ministérios do Meio Ambiente e do Turismo tentaram instituir regras para
tornar mais claros os requisitos para o estabelecimento de uma
“estrada-parque”. As regras que esta Portaria traz, entretanto, são vagas
e gerais, além de a Portaria ser um instrumento jurídico sem força
suficiente para alterar a realidade de informalidade em torno do uso do
termo
“estrada-parque”.
Distorções
"Os nossos “tão
admirados representantes” no Congresso Nacional se esmeram em superar
sempre a legislatura anterior, até então a pior de todos os tempos (...)
São capazes de querer resolver o problema energético através de uma lei
que estabeleça que “Art 1º: focinho de porco é
tomada"
Há vários casos de uso do termo
“estrada-parque” ou correlatos como “rodovia ecológica” e outros, para
propagandear uma suposta preocupação especial empregada na construção de
algumas estradas, conforme abordado por Soriano (2006). Em muitos casos o
uso destes termos se presta a uma estratégia para demover resistências ao
licenciamento ambiental das obras. Outro tipo de situação abordada por
este pesquisador são as tentativas de minimizar impactos da existência ou
da pretensão de se criar vias cortando unidades de conservação. Pronto!
Chegamos, então, no tipo de “estrada-parque” que nos querem impingir. As
que não têm intenções conservacionistas, mas querem fingir que vão
estuprar um parque “com todo o cuidado”.
No interior
de um Parque Nacional, categ oria de unidade de conservação de proteção
integral, conforme a Lei do SNUC (9.985/2000), a existência de estradas é
possível, mas apenas para atender às necessidades da Unidade de
Conservação, seja de proteção, permitindo o acesso adequado das equipes de
fiscalização, combate e prevenção de incêndios etc., seja para viabilizar
o acesso a atrativos abertos à visitação pública, sempre em conformidade
com o zoneamento definido no plano de manejo. Uma rodovia atravessando um
Parque Nacional só é uma situação aceitável quando a existência da rodovia
já está consolidada no momento da criação do Parque, o que não é o caso do
Caminho do Colono.
Colono não é
estrada-parque
Detalhe da situação sobre imagem Lansat. O
trecho hachurado corresponde a uma faixa de 2 km para cada lado da
estrada, que seria a área de influência direta da Estrada do Colono
sobre os ecossistemas que o Parque Nacional deve proteger,
correspondente a mais de 6.000 hectares.
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A proposta da “Estrada- Parque Caminho do
Colono”, não se encaixa de nenhuma forma no conceito das “Parkways”
norte-americanas, pois trata-se de um trecho muito curto e sem especial
apelo paisagístico. O Caminho do Colono foi concebido apenas como ligação
entre dois municípios, como uma estrada qualquer construída por
desbravadores que tinham a mata nativa como um obstáculo às suas
atividades ou ao escoamento de sua produção. O histórico das aberturas e
fechamentos da rodovia a localiza na categoria de problema em busca de
solução, a qual certamente não estará no estabelecimento de uma
Estrada-Parque, para o que ela não tem nenhuma
vocação.
Um exame da situação dos remanescentes de
vegetação nativa do oeste do Estado do Paraná não deixa dúvidas de que não
há margem de manobra para concessões. A existência de um último e único
remanescente significativo de Mata Atlântica é uma situação que não
permite que se cogite em fragmentá-lo.
Os nossos “tão
admirados representantes” no Congresso Nacional se esmeram em superar
sempre a legislatura anterior, até então a pior de todos os tempos.
Parecem não se conter em seus impulsos de fazer uso de suas canetas para
transformar uma coisa em outra, por meio da aprovação de leis. São capazes
de querer resolver o problema energético através de uma lei que estabeleça
que “Art 1º: focinho de porco é tomada. Art. 2º: revoguem-se as
disposições em contrário”. Queiram vossas excelências ou não, mudem ou não
a Lei, o Caminho do Colono não é uma estrada-parque.
*João Madeira é bíólogo e
doutor em Ecologia. Trabalha como analista ambiental do ICMBio, onde, no
momento, se dedica ao projeto de criação do Parque Nacional
da Serra da Gandarela.
Saiba
mais Soriano, A.J.S. (2006). Estrada-Parque:
proposta de uma definição.
Leia também Aprovado relatório do projeto que reabre
a estrada do colono Porque a estrada do Colono deve continuar
para sempre fechada Estrada do colono: a reabertura de uma
ferida R eabertura da estrada do Colono,
agressão a ser enfrentada
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