Considerações a partir do evento de certificação em coleta seletiva para empreendimentos


Primeiramente
gostaria de felicitar as equipes do INEA e da AMAR pelo trabalho que vêm realizando na região há quatro anos, introduzindo a coleta seletiva na região, e parabenizá-las pela realização do evento para certificar inúmeros estabelecimentos comerciais ou produtivos como participantes fieis do sistema.


Depois, diante de alguns dados apresentados sobre a situação atual da coleta seletiva - quando ficamos sabendo que a adesão em geral vem praticamente decrescendo, que apenas cinco casas da vila de Visconde de Mauá separam o lixo corretamente, e que também o Lote 10 ainda não assumiu a sua responsabilidade frente à natureza e à prefeitura - fiquei pensando como poderíamos fazer para mudar radicalmente esse quadro já nos próximos doze meses.

O ponto principal é compreender que a coleta seletiva não avançará se não estiver inserida em um esforço holístico de educomunicação ambiental da comunidade, amplo e integrado, que crie uma visão compartilhada por todos na qual não haverá mais lugar para atitudes inconsequentes com relação à natureza e às despesas da prefeitura com a gestão do lixo.

Sem essa visão em comum - sem essa emoção e orgulho cívico contaminando toda a comunidade - o envolvimento dos moradores no projeto será marginal e distante. 



É notável a predominância de resíduos recicláveis no lixo descartado para ser coletado pelo caminhão que recolhe o lixo misturado.
Mesmo após quatro anos de andamento do projeto, a grande maioria dos moradores ainda não foi despertada para a necessidade de ser mais responsável por seus resíduos. Conseguir criar essa noção de responsabilidade exige um processo de educação ética que envolva não só os estudantes mas toda a comunidade.


Eventuais visitações casa a casa
não resolvem se não estiverem apoiadas em um esquema de comunicação permanente que estimule atitudes éticas e responsáveis cim relação à comunidade e à natureza. Nesse sentido, há anos venho recomendando focarmos os vários projetos de Educação Ambiental em curso na região em três eixos principais -um tripé prioritário e indispensável: (1) desenvolvimento da juventude no Colégio Estadual Antônio Quirino; (2) gestão ecológica do lixo; e (3) educomunicação comunitária.  Se um pé faltar, nada se sustenta.



A impressão que se tem é que se retirarmos os residuos compostáveis e os recicláveis, esses tambores se esvaziariam para bem menos da metade, o mesmo ocorrendo com o caminhão de lixo misturado, que teria então espaço para transportar, separadamente, big bags cheios de resíduos recicláveis secos.

E para não ficar só na teoria, há anos (1) tento colaborar com a direção do CEAQ; (2) demonstro e promovo métodos de compostagem urbana; e (3)  publico as Súmulas Informativas de amigosdemaua.net - informando à comunidade o que se passa com ela e os desafios que a aguardam. É o único veículo da região que sistematicamente: documenta, registra, divulga, mantém disponíveis os fatos e fenômenos ocorridos, e promove a discussão crítica dos impactos da comunidade sobre a natureza.
Essas iniciativas pessoais são apenas pilotos para efeito demonstrativo daquilo que precisa ser melhor planejado e feito em grupo com apoio do governo.
Para implementar um projeto de educação ambiental onde a gestão do lixo seja um componente naturalmente integrado e sempre promovido, será também necessário contar com o envolvimento mais ativo das associações locais, dos grupos de igreja, lideranças comunitárias, e de voluntários em geral, para apoiarem as equipes do INEA e da AMAR, que pouco podem sem a adesão da comunidade.

Para acessar informações recolhidas de décadas de experiência e pesquisa sobre trabalho comunitário envolvendo centenas de milhares de voluntários nos Estados Unidos, por favor visitem "Liderança e elaboração de projetos". Também a tese de mestrado de Marcos José de Abreu, da Revolução dos Baldinhos, enfatiza a importância da parceria com a comunidade para o sucesso da coleta seletiva, num processo constante de formação de capital social que vai retroalimentando o avanço do próprio programa. 


Acima, os sacos plásticos pretos impedem a visão do que está dentro. Pelas formas, veem-se vários volumes certamente recicláveis, mas se os sacos fossem transparentes seriam mais fácil para a equipe avaliar o que vai dentro, e mais difícil para o munícipe fingir que é bom cidadão. Os próprios vizinhos perceberiam quem está ou não ajudando.
Nota: esses sacos contêm o lixo de dois dias da Escola Municipal Francisco Quirino.



Acima , à esquerda, funcionário da prefeitura recolhe, num carrinho-de-mão os resíduos - em sua maior parte recicláveis - jogados nas ruas da vila de Visconde de Mauá, praticamente imprestáveis por estarem enlameados. É necessário e urgente instalar lixeirinhas em pontos estratégicos. À direita, um cachorro faz o que lhe compete.
Abaixo, à esquerda:
a mistura de materiais recicláveis com lixo inservível no espaço do Colégio Estadual Antônio Quirino recomenda um esforço especial junto aos estudantes e funcionários. A organização de um "clube" no CEAQ voltado para o desenvolvimento dos jovens, com base na horta e na compostagem, será fundamental para construção de uma cultura pró-sustentabilidade entre os alunos.




Considerando que a comunicação é o terceiro eixo fundamental da educação ambiental - sendo a gestão ecológica modelar do lixo o segundo eixo -, todos os impressos e cartazes de divulgação do programa devem priorizar a comunicabilidade com a população - e não as necessidades de marketing dos órgãos públicos envolvidos, conforme se vê exemplificado abaixo:

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Acima e abaixo,
folhetos de esclarecimento sobre separação de resíduos, um do INEA-RJ e outro do Programa Municipal de Compostagem da Cidade de Nova York.
Notem, no folheto novaiorquino, que a ênfase é na comunicação com os munícipes. Clareza total, letra preta em fundo branco, imagens didáticas. Já o do INEA privilegia outros fatores, mais ligados à "imagem" da agência (uso do papel reciclado, em prejuizo da legibilidade) e ao "talento artístico" do programador visual do impresso (abuso de recursos gráficos e maneirismos formais em detrimento da comunicação do conteúdo.  

Considerando que a maioria da população não está acostumada com textos longos e com letra pequena, esperar que as pessoas leiam esse folheto com letrinhas pretas sobre fundo marrom, em nome de uma imagem "ambientalmente correta" de um governo que não merece essa fama, é uma ilusão contraproducente. Além disso, mesmo as pessoas pobres merecem receber um impresso do governo com mais qualidade, ainda que o papel branco possa custar um pouco mais caro. Usem esse papel marrom para fazer envelope pardo, caixas de papelão, papel de embrulho; não para comunicados oficiaiis à população - mesmo que destinados a comunidades mais humildes.



Por fim, gostaria de propor com urgência a realização de um "seminário-confraternização" ainda em dezembro, de um dia inteiro dedicado a planejar algumas ações mínimas porém marcantes e estruturantes que tornem a coleta seletiva uma realidade notável em nossa comunidade. 

A inclusão do componente "compostável" no sistema da coleta seletiva será fundamental para a comunidade perceber a importância do problema dos resíduos e da  necessidade da reciclagem de uma maneira muito mais coerente e holística,  e a disseminação dessa prática reduzirá notavelmente o volume do lixo entregue ao caminhão pelas moradias e negócios, como acontece com quem já composta o seu lixo orgânico e separa os recicláveis secos..

Há muitas pessoas interessadas nesse tema, que podem contribuir com boas ideias. Basta lembrar que cerca de 40 pessoas compareceram nos três dias de seminário realizado pelo Conselho Gestor em 2006, embora todas tenham tido as suas expectativas frustradas por deficiência no planejamento e coordenação do evento, que eu não consegui evitar embora fosse o autor da proposta de sua realização. É só divulgar que muitas delas virão novamente, se souberem que agora é para valer. Ou, se preferrirem. podemos fazer primeiro um miniseminário só conosco mesmo.

Até lá, o programa arrisca continuar patinando e, sem um ambiente estimulante e até desafiante para os moradores e empresários locais, a coleta seletiva acabará se tornando, ela também, um factóide adequado para angariar pontos de ICMS Verde mas uma gota d'água na tentativa de reduzir o impacto antrópico na natureza.