Representação ao Ministério Público

Vila de Visconde de Mauá, 02 de novembro de 2009.

 

 

 

Ilma. Promotora de Justiça Vanessa Martins dos Santos – Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Resende 

Ilma. Procuradora Isabella Marinho Brant – Procuradoria da República do Município de Resende

 

Com cópia:

Ilmo. Sr. Clarismundo Benfica do Nascimento - Chefe da Área de Proteção Ambiental da Mantiqueira

Ilmo. Sr. Rogério Rocco - Coordenador regional do ICMBio Rio de Janeiro

Ilmo. Sr. Walter Behr - Diretor do Parque Nacional de Itatiaia

Ilmo. Sr.  José Machado Diretor - Presidente da Agência Nacional de Águas (ANA)

Ilmo. Sr.  Agostinho Guerreiro - Presidente do Crea RJ

Ilmo. Srs. Roberto Luiz Leme Klabin, Presidente e Mário Mantovani, diretor - SOS Mata Atlântica

 

 

Prezadas senhoras,

 

 

CONSIDERANDO que, segundo prescreve o art. 225 da Constituição da República, "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações";

 

CONSIDERANDO que o Código Florestal (Lei 4.771/65) é,um dos pilares da política ambiental brasileira, destinado a proteger a flora e, indiretamente, os recursos hídricos e a fauna;

 

CONSIDERANDO que o Código Florestal define as áreas de preservação permanente- APP's, como sendo as áreas, "cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas" (Lei 4.771/65, art. 1°, § 2°, lI);

 

CONSIDERANDO que, diante da crescente escassez de água potável  (que já é motivo de tensões e conflitos na região) a preservação e a recuperação das áreas de preservação permanente constituem-se em  prioridade a ser perseguida pelo Estado, em seus três níveis federativos, e pela sociedade;

 

CONSIDERANDO que, nos termos do inciso VI do art. 23 da constituição da República, é competência comum da União; dos Estados e dos Municípios "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas";

 

CONSIDERANDO que é função constitucional do Ministério Público zelar pela proteção do meio ambiente;

 

CONSIDERANDO que o Município de Itatiaia é banhado pelos rios Paraíba do Sul e Preto, que são cursos d'água pertencentes à União, nos termos , da Constituição da República;

 

CONSIDERANDO que o Parque Nacional do Itatiaia e a Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira são unidades de conservação federais, parcialmente incidentes sobre o território dos Municípios de Itatiaia e Resende;

 

CONSIDERANDO que a área de entorno do Parque Nacional do Itatiaia, compreendendo o território situado a menos de 10 km (dez quilômetros) do perímetro daquela unidade de conservação, também goza de proteção legal, nos termos do art. 25 da Lei 9.985/2000 c/c Resolução CONAMA 013/1990;

 

CONSIDERANDO que, nos cursos d'água, unidades de conservação e área de entorno antes mencionados, em decorrência do inequívoco interesse da União, a atribuição constitucional de zelar pela proteção do meio ambiente incumbe ao Ministério Público Federal;

 

CONSIDERANDO que, segundo as regras estabelecidas no art. 2° do Código Florestal, em relação às nascentes e olhos d' água deve ser respeitada uma área de preservação permanente com raio de 50 (cinqüenta) metros;

 

CONSIDERANDO que os funcionários públicos que concederem licenças, permissões ou autorizações em desacordo com as normas ambientais podem incorrer no crime tipificado no art. 67 da Lei 9.605/98;

 

CONSIDERANDO que constitui ato de improbidade administrativa a prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, consoante dispõe o artigo 11, da Lei n° 8.429/92; (apud ofício MPF Federal para a Prefeitura de Itatiaia)

 

Nós abaixo-assinados, moradores, veranistas e amigos da região de Visconde de Mauá, temendo estar em vias de se concretizar grave e irreparável dano ambiental à região da bacia do Alto do Rio Preto, vimos por meio desta,  representar à estes órgãos do Ministério Publico Federal e Estadual, requerendo medidas urgentes e cautelares contra o modo como se pretende empreender a pavimentação da estrada Capelinha-Visconde de Mauá (RJ 163), definida como uma Estrada-Parque, e que atravessa região montanhosa dentro da Área de Proteção Ambiental da Mantiqueira- APA e na área de Amortecimento Ambiental  do Parque Nacional do Itatiaia :

 

Dos fatos:

 

1.    Ocorre que a licitação da "estrada-parque" já foi concluída e o seu resultado publicado no D.O. do Estado do Rio de Janeiro;

2.    Soubemos que o ICM-BIO do Rio de Janeiro concedeu sua anuência “com 11 condicionantes” ao projeto da estrada-parque, abrindo caminho para que o INEA pudesse licenciar ambientalmente a obra.
Tal fato nos provoca estranheza porque entendemos que tal obra, por sua importância e magnitude, deveria ser de responsabilidade da esfera federal. Principalmente por  envolver parque nacional e municípios de dois estados da federação;

3.    Conselheiros da APA da Mantiqueira e do Comitê Gestor da Bacia do Alto do Rio Preto peticionaram dia 28 do corrente mês cópia da anuência para que a sociedade civil organizada possa proceder a analise de tal decisão. Contudo, temos a impressão de que: a) não foram fixados prazos para o cumprimento das condicionantes; b) que o EIA-RIMA, além de incompleto, não foi bem elaborado. Ao que consta, inclusive, falta o relatório sócio-econômico,  que nos parece indispensável para uma adequada  avaliação  por parte dos órgãos de proteção ambiental.

4.    Quando da propositura da obra o ministro Carlos Minc condicionou a execução das mesmas à prévia solução do grave problema sanitário da região, com a construção de redes de esgotamento e ETE’s. Ora, acontece que se encontram paralisadas as obras de construção das ETE's das vilas da Maromba, Maringá e Lote 10 (Visconde de Mauá). Sendo que teria havido embargo na de Maringá.
Cumpre chamar a atenção destes órgãos do MP,  que nenhuma obra de saneamento está sendo realizada ou mesmo é prevista para atender a população do município mineiro de Bocaina de Minas;

5.    A sociedade civil desconhece o projeto de engenharia para a construção da estrada, que será empreendida sob a responsabilidade de um órgão sem prática na construção de “estradas-parques”, como é o caso do DER. Ao que sabemos, o projeto prevê uma pavimentação ( ainda não foi explicitada a modalidade ) em faixa com largura mínima de 6,00 metros e largura máxima de 8.00 metros, ou seja, larguras  de pista da Rodovia Dutra ...( ! ).
O deputado Noel de Carvalho anunciou o início das obras para meados de novembro (Folha Fluminense, de 24 de outubro). Na mesma matéria confirmou que a estrada terá um mínimo de 6 m e um máximo de 8 m de largura (o que por si descaracterizaria a estrada-parque e seria possível apenas com enorme custo e impacto ambiental).
As declarações do deputado reiteram informações constantes do sitio do INEA (ver anexo).
Daí decorre que estamos em vias de testemunhar um "atropelamento" ambiental em nossa querida região. Pois, malgrado graves inconsistências  nas avaliações técnicas, que devem ser requisitos evidenciados pelo DER como condição necessária para permitir o início de obras numa estrada-parque:

6.    É indispensável que tenha sido feito o Inventário Florestal da vegetação. A parcela mínima que eventualmente necessite ser suprimida deverá ser objeto de levantamento condicionante para a emissão de Autorização de Supressão Vegetal pelo órgão florestal competente. Portanto, o DER deve apresentar o referido Inventário, com a relação das espécies e o correspondente volume de madeira que estão previstos de serem suprimidas. O      DER deve apresentar também, antes do início das atividades, o Plano de Reposição Florestal Obrigatória, conforme determina a legislação federal da Mata Atlântica.

7.    Quando for indispensável a retificação do traçado da estrada, implicando em alargamentos, o DER deverá apresentar a documentação relativa ao estabelecimento da faixa de servidão e regularização fundiária necessária à implantação do projeto. A não apresentação desta documentação caracterizaria usurpação do direito dos proprietários lindeiros.

8.    A emissão da Licença de Instalação - LI também deve estar condicionada à apresentação pelo DER do Plano Básico Ambiental - PBA, que deve conter todos os programas e medidas previstas de serem tomadas para mitigar e compensar os impactos da obra, tais como:
- Programa de Controle de Erosão e Recuperação de Áreas Degradadas,

- Programa de Monitoramento e Resgate de Fauna e de Flora,

- Programa de Controle de Resíduos e Produtos Perigosos,

- Programa de Monitoramento de Qualidade das Águas,

- Programa de Educação Ambiental e Comunicação Social.

9.   Caso a Licença de Instalação tenha sido emitida sem a apresentação pelo empreendedor dos itens relacionados acima, cabe questionar a sua validade e imputar responsabilidade aos responsáveis do órgão licenciador.

 

Nessas circunstâncias, queremos  solicitar informações e pedir providências  para que seja esclarecido e retificado o seguinte procedimento operacional anunciado no projeto de construção, que fere e contraria, de forma frontal,  as normas técnicas de conceituação de Estrada-Parque e os  consensos previamente definidos em relação à adoção de rigorosos critérios ambientais na execução desta via.

 

Isso também implicará em intenso trabalho de desmonte  das encostas em mais da metade do percurso  ( com a conseqüente destruição das preciosas matas ciliares, como demonstra o levantamento fotográfico anexo )!

 

Considerando-se que, no caso, não se trata de uma rodovia convencional e sim de uma decretada Estrada-Parque,  cujo percurso  está situado -  em 80%  -  em APP's ( Áreas de Preservação Permanente )  em aclives de 45 a 60  graus , com características específicas, com traçado pré-existente, ao longo da qual,  a preocupação maior é a não intervenção nas encostas e taludes e a rigorosa preservação a cobertura vegetal  existente  (ali  em pleno estágio de consolidação), e a proteção da vida silvestre ali abrigada, os alargamentos previstos  significarão não só a destruição de extensos trechos florestados com a descaracterização da paisagem local, como do habitat da fauna.

 

Além disso e muito mais grave, conforme avaliações feitas  in loco, os trechos mais estreitos, que somam cerca de 2 Km, têm suas encostas constituídas por paredões rochosos,  formando altos taludes verticais. Para  que se proceda ao alargamento desses trechos, não só será necessário o uso de explosivos ou de máquinas pesadas, quanto movimentar enormes quantidades de pedras e aterros, que deverão ser removidos ou despejados encostas abaixo. Todas essas intervenções, desnecessárias, (registrando aqui que a estrada tem em média suficientes 5,0 metros de largura em seu percurso) não só contrariam os parâmetros estabelecidos que definem a Estrada-Parque, como representam uma violenta agressão ao meio ambiente local, aí entendido o habitat da Fauna a ser protegida e a floresta da Mata-Atlântica de Altitude, que está ali em pleno processo de regeneração.

 

Quaisquer intervenções mecânicas nas encostas, taludes ou barrancos de uma estrada dessa natureza, situada em topografia de grande declividade e em área de altos índices pluviométricos ( que tendem a aumentar ) removendo sua cobertura vegetal sustentadora,  demonstra um grave  desconhecimento das  características ambientais locais e podem significar danos ecológicos irreparáveis, anunciando futuros desastres.

                          

Insistimos em observar que o DER, até o momento, não teve  nenhuma experiência com relação  à execução de estradas com estas características especiais. É da máxima importância e urgência que sejam evitados e impedidos tais procedimentos, fazendo com que a pavimentação se atenha ao traçado e larguras  atuais,  salvo mínimas retificações em taludes instáveis. Em relação aos trechos onde há estreitamentos - que até hoje não impediram o tráfego existente e até mesmo servem para inibir abusos de velocidade – que sejam sinalizados, prevendo escapes laterais, nos locais já ampliados, como previsto.

 

A natureza específica  desse tipo de via ecológica pressupõe uma diferente mentalidade, não sendo sua concepção  destinada ao tráfego pesado ou intensivo, muito menos para que seja  percorrida em altas velocidades, nem mesmo visando  apenas o “conforto” rodoviário ... ela deve, antes, constituir um percurso cênico ou paisagístico, voltado essencialmente para a preservação da Natureza e para o deleite dos visitantes e usuários. Não fosse por isso,  ela  não teria a denominação de  PARQUE...

 

Atenciosamente,

 

A representação traz em anexo o abaixo-assinado com mais de 1.250 assinaturas.

 

Estamos buscando ter acesso em breve ao “fac-simile” do documento da representação, bem como ao abaixo-assinado completo, para disponibilizá-los neste portal.